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ESTUDO MOSTRA QUE ESTIGMA EM RELAÇÃO À OBESIDADE ESTÁ SE DISSEMINANDO PELO MUNDO

Homem obeso come em Londres

No México, a mais recente campanha de saúde pública contra a obesidade mostra pessoas com barrigas avantajadas comendo alimentos gordurosos.

“Eu sempre achei que a culpa é mesmo das pessoas obesas”, diz Sergio Miranda, 35, um engraxate na Cidade do México. “Essas pessoas simplesmente comem coisas que as deixam gordas, como pão e pizza”.

Miranda diz que não percebe realmente se os seus clientes são obesos. Mas ele não deixa de observar a quantidade de pessoas gordas quando está dentro de um ônibus municipal lotado.

“Os gordos ocupam bastante espaço”, explica Miranda. “As pessoas ficam irritadas com o desconforto”.

Em um momento no qual autoridades mundiais da área de saúde estão intensificando os esforços no sentido de fazer frente ao problema da obesidade como uma preocupante ameaça à saúde pública, alguns pesquisadores estão advertindo para um perturbador efeito colateral: o estigma crescente em relação às pessoas obesas.

“Podemos divulgar muitas coisas para ajudar as pessoas com esse problema em todo o mundo. Mas não queremos enviar uma mensagem vinda da área de saúde pública que transmita uma imagem realmente negativa em relação ao corpo do indivíduo e promova a falta de autoestima”, diz a médica Alexandra Brewis, diretora executiva da Escola de Evolução Humana e Mudanças Sociais da Universidade do Estado do Arizona.

Brewis e os seus colegas concluíram um estudo conduzido em vários países com o objetivo de obter um panorama do ponto de vista internacional em relação ao peso e à imagem que se faz do corpo. As conclusões foram perturbadoras, indicando que os pontos de vista negativos em relação às pessoas que estão acima do peso poderão em breve tornar-se a norma cultural em certos países, incluindo locais onde os corpos rechonchudos e grandes eram tradicionalmente tidos como atraentes, segundo um novo artigo publicado no periódico “Current Anthropology”.

Os pesquisadores apresentaram aos entrevistados afirmações contendo vários graus de estigmatização da obesidade, e pediram a estes que respondessem “falso” ou “verdadeiro”. O teste incluiu declarações como, “As pessoas são gordas porque são preguiçosas”, ou “Algumas pessoas estão fadadas a serem obesas”.

Utilizando em sua maioria entrevistas pessoais, suplementadas com perguntas feitas pela Internet, os pesquisadores avaliaram os pontos de vistas de 700 pessoas distribuídas por dez países, territórios e cidades, incluindo Samoa Americana, Tanzânia, México, Porto Rico, Paraguai, Argentina, Nova Zelândia, Islândia e dois locais no Arizona e em Londres.

Brewis diz que já esperava que altos níveis de estigma em relação à gordura surgissem na chamada “Anglosfera”, ou seja, países de língua inglesa, incluindo Estados Unidos, Reino Unido e Nova Zelândia, bem como na Argentina, onde existe grande conscientização em relação ao corpo. Mas o que ela não esperava era a intensidade com que as pessoas nos outros locais em que o teste foi aplicado manifestaram uma atitude negativa em relação ao peso. Segundo Brewis, os resultados indicam que existe uma “globalização do estigma da gordura” surpreendentemente rápida.

“A mudança ocorreu com uma rapidez muito grande nesses locais”, diz ela.

É verdade que as piadas e as opiniões negativas em relação ao peso existem há muito tempo. No México, por exemplo, um apelido como “gordo” não provoca nenhuma estranheza.

Mas o que parece ter mudado é o nível das críticas e acusações contra as pessoas gordas. Um motivo para isso pode ser o fato de as campanhas de saúde pública que apresentam a obesidade como uma doença serem algumas vezes percebidas como críticas a indivíduos e não aos fatores ambientais e sociais que provocam o aumento de peso.

“Muitas mensagens negativas na área de saúde trazem consigo uma grande carga de mensagens morais negativas”, explica Brewis.

Surpreendentemente, os níveis de estigma foram mais elevados nos locais em que antigamente eram registradas as opiniões mais positivas em relação aos gordos, incluindo Porto Rico e a Samoa Americana.

O médico Stephen McGarvey, professor de saúde comunitária da Universidade Brown que estuda questões de saúde da Samoa, observou que, 25 anos atrás, os indivíduos daquela regiões aos quais se mostravam silhuetas de pessoas magras e gordas, tinham uma opinião mais positiva em relação aos corpos avantajados (a exceção eram as mulheres jovens e de alto nível educacional, que demonstravam uma preferência pelas silhuetas mais esguias).

McGarvey diz que são necessários estudos mais amplos para que se determine até que ponto isso mudou, e que é importante que as campanhas de saúde pública que têm como objetivo reduzir a incidência de diabetes e hipertensão arterial não acabem criando imagens negativas dos indivíduos obesos.

“Um campanha pública do tipo ‘Você pode mudar’ ou ‘Isso é culpa sua’ pode ser extremamente contraproducente”, alerta McGarvey. “O estigma é uma coisa séria”.

O que a nova pesquisa não deixou claro foi até que ponto o estigma em relação à gordura encontra-se disseminado. Tendo incluído apenas 700 pessoas, o estudo não se constitui em uma amostra representativa de cada país e reflete apenas um quadro geral dos pontos de vista culturais nas áreas estudadas. Além disso, a pesquisa só envolveu locais selecionados, não tendo incluído nenhum país asiático ou árabe.

Na Índia, por exemplo, o fato de uma pessoa apresentar sobrepeso ou ser obesa está associado à classe média ou à riqueza, diz o médico Scott Lear, professor de ciências da saúde da Universidade Simon Fraser, em Vancouver, na província canadense de Colúmbia Britânica. Mesmo assim, Lear, que está estudando o crescimento da obesidade infantil naquela província e em todo o Canadá, concorda que há um potencial para a estigmatização.

“Nos países desenvolvidos nós sabemos que as pessoas obesas têm menos sucesso, bem como menos chances de se casarem e de serem promovidas”, diz ele.

Nisha Somaia, 38, que mora em Nova Déli e que criou a primeira rede de lojas de roupas para mulheres obesas na Índia, diz que as críticas dirigidas às pessoas obesas são muitas vezes diretas e ostensivas. “Na Índia, obesidade é sinônimo de preguiça e de comédia”, diz Somaia.

Marianne Kirby, de Orlando, no Estado da Flórida, que administra o blog de aceitação da obesidade TheRotund.com, diz que a aparente disseminação do estigma em relação à gordura não é uma surpresa, ao se levar em conta a tendência mundial de classificar a obesidade como um grande ameaça à saúde.

“A mensagem fundamental que estamos disseminando pelo mundo é que as pessoas gordas merecem a vergonha que sentem pelo fato de colocarem em risco a própria saúde”, diz Kirby, coautora do livro “Lessons From the Fat-o-Sphere”. “Nós temos difundido esta mensagem durante muito tempo. Eu não creio que ninguém esteja imune a ela”.

Brewis observa que são necessários muito mais estudos para que se determine a extensão do estigma em relação à gordura e como isso está afetando as vidas dos indivíduos. Ela chama atenção para o fato de que o seu estudo foi elaborado apenas com o objetivo de detectar pontos de vista culturais em relação à obesidade e eles não mostram se as pessoas estão experimentando mais discriminação social ou no local de trabalho como resultado do estigma em relação à gordura.

“Eu creio que a próxima grande questão é determinar se isso vai criar uma grande quantidade de sofrimentos que não existiam antes”, diz Brewis. “Eu acho que é importante pensarmos em criar imagens de saúde em torno da obesidade que não exacerbem o problema”.